Hernán Cattaneo Sunsetstrip – 32 mil pessoas reverenciando o símbolo máximo da cena eletrônica
- Jonas Fachi
- 4 de abr. de 2023
- 8 min de leitura

Imagine você não poder tocar nos clubes da sua cidade, pois neles não há espaço suficiente devido a estrondosa demanda por sua música? Se em muitos lugares do mundo ‘’santo de casa não faz milagre’’, em Buenos Aires ele faz, e muito. Hernán Cattaneo é o nome de maior sucesso da história da américa do sul e os argentinos valorizam isso, além do mais, são apaixonados por progressive house. Curiosamente, ainda que seja sua cidade, Hernán não se apresenta tanto nela, é muito mais fácil vê-lo no Brasil do que na Argentina. Nas cidades de Córdoba e Mendoza, ele realiza suas próprias festas todos os anos e a partir de 2019, passou a fazer o evento Sunsestrip em Buenos Aires. Foram duas edições no campo de polo, localizado no charmoso e badalado bairro Palermo. Após 3 anos e uma pandemia global, e equipe da Buenas Noches, parceiros do mestre de longa data, encontrou um novo local dentro da cidade universitária.

De um lado, o Rio de La Plata, do outro, os parques amplos de Palermo. Um campo verde, cercado pelos prédios da universidade e com um por do sol ao fundo de tirar o fôlego. Esse era o cenário, o plus? Apenas alguns KM do Aeroparque Jorge Newbery (o equivalente a Congonhas em SP). O que isso significava? Que o desenho de um avião no folder de promoção do evento não era por acaso. Bem ali, naquele campo, os aviões passavam poucos metros acima do público para pousar no aeroporto. Isso com certeza foi um dos destaques do festival, lembrando o DC10 em Ibiza e sendo a cereja do bolo de um evento de alto nível. Veja no vídeo abaixo. Uma das primeiras músicas que me emocionou foi ouvir o vocal de Apparat, olhando aquilo tudo, que momento! A faixa é ‘’In Gravitas’’ (John Cosani Remix)
Para você ter ideia, imagine um Warung Day Festival (15 mil pessoas) em 2 dias seguidos, porém, apenas com um headliner tocando por seis horas. Isso aconteceu no sábado (4 de março) e domingo, uma data extra devido a tamanha procura por ingressos. 32 mil pessoas em uma imersão dupla (no meu caso e de muitos que não se contentam com apenas 1 dia) de celebração ao mais puro som Argentino – quente e emocional.

Cheguei em Buenos Aires já na quinta feira para aproveitar a cidade, ir nos restaurantes premiados (Don Julio & La Cabrera) e comer a melhor Parrilla que se há notícia. Com a companhia dos amigos, pude novamente aproveitar cada segundo de uma das cidades mais vibrantes do mundo, aliando arquitetura europeia, comida italiana, carne sul americana, e música com alma e fervor.
Como sempre falo, todo fã de Cattaneo deveria se permitir assistir um set seu em Buenos Aires, tocando para seu povo. É uma energia diferente, eletrizante, descontraída e intensa. Os hermanos vivem uma noite como se não houvesse amanhã, estão ali, ‘’dando tudo de si’’ como gostam de falar.

Ainda, Hernán é uma figura respeitada em toda a grande mídia da Argentina. Sabe o respaldo que o Alok possui nas mídias brasileiras? Hernán possui lá, sem ser comercial, tocando seu som progressivo, emocional, tribal e obscuro. Nem sempre foi assim, um Clarín (equivalente a folha de São Paulo) fazendo review de uma festa de música eletrônica? A alguns anos eles estavam ajudando a enterrar essa cena devido a tragédia da Time Warp em 2015. Uma reviravolta e tanto, porém ainda há muito o que acontecer, grandes festivais de música eletrônica permanecem proibidos no país.

Ainda assim, o que para nós aqui reunir 10, 15 mil pessoas, se considera um grande evento, para os Argentinos isso acontece todo final de semana, onde algum nome global reúne milhares de pessoas em Mar del Plata, ou em alguma província litorânea aos arredores da metrópole. No início de março, a lenda Nick Warren tocou para nada menos que 70 mil pessoas em Mendoza!! Era um evento gratuito promovido pela prefeitura local. Percebe a diferença? Lá, o house progressivo é tão popular quanto o techno é em Berlim.
Vamos ao evento! Sábado, 4 de março, aniversário de Hernán e um lugar escolhido cuidadosamente. Cheguei com ‘’la banda’’ de brasileiros amigos por volta das 5h da tarde. A primeira coisa que recebemos do staff foi um cartão escrito ‘’1 água’’; a ideia era que todos se hidratassem ao máximo.
O duo live Husa & Zeyada davam as boas vindas com um som dançante, vocalizado e leve. O tamanho do palco chamou atenção – duas telas enormes que se uniam a um triângulo no centro com uma de suas pontas ganhando profundidade. Os canhões de luz formavam outro triângulo ao redor do artista. Esse era o palco; algo épico e genial. Logo de cara, meu amigo Sérgio associou esse formato a capa do álbum ‘’The Dark Side Of the Moon’’, que completava aniversário de 50 anos apenas 3 dias antes. O disco é o favorito de Hernán e moldou sua visão para música desde a primeira infância para sempre. Estava claro que era uma linda homenagem, fiquei imaginando a hora que as luzes iriam trabalhar em alguma faixa da lendária banda. Estava certo que ele tocaria.

Vou ser um pouco mais breve neste dia 1, não que não tenha sido especial, foi e muito. Porém o dia 2 merece uma reflexão mais acentuada. Hernán inicia por volta das 18h40, o sol estava baixando em meio as árvores de fundo, sua tradicional linha de deep tribal foi acionada e o volume do system subiu ao máximo. El Maestro estava irradiante, com seu famoso ray-ban e a todo momento apontando para algum fã de longa data que lhe acenava no front stage. Ele queria se certificar de que todos estavam recebendo aquele 1 segundo de atenção, se sentindo prestigiados.

Havia argentinos que o acompanham desde quando era residente do club Pachá da cidade. Fãs de verdade, um deles, Dário Berrondo, possivelmente o maior de todos, levou sua famosa faixa ‘’Cattaneo N°1’’. A fúria deles naquele espaço quase sagrado em frente a figura mítica do DJ tocando, é algo realmente impressionante, te puxam junto como se estivessem em ‘’La Bambonera.’’
Buenos Aires estava passando dias de calor recorde para o mês, acima de 30 graus! Para nossa sorte, o local aberto e próximo ao enorme rio, proporcionava rajadas de vento que levantavam partículas de poeira que se misturavam aos feixes de luz. Uma vibe transcendental se formou assim que ritmo de sua música ganhou mais força.

Hernán trazia linhas de bass gordas e impactantes. Seu set nesse sábado foi mais animado e emocional. Ele passeou por faixas históricas de diversas bandas e artistas referências em sua trajetória. ‘’Babel’’ de Gustavo Cerati (Molac remix), ‘’Ghost Again’’ do Depeche Mode (Carlos Gatto remix), The Chemical Brothers em ‘’Escape Velocity’’ (Ezequiel Arias Edit), a clássica ‘’Body Language’’ de M.A.N.D.Y e Booka Shade (Baumel remix 2023), ‘’Go’’ de Moby (Victor Ruiz remix), ‘’Tour De France’’ de Kraftwek (Berrondo remix) e claro ‘’Love is Coming Back’’, música dele que foi uma espécie de single de promoção do Sunset.
Conforme as imagens iam se alterando no telão, as sensações se moldavam ao som. No final, o momento que eu aguardava vem com ‘’On the Run’’ do Pink Floyd, uma viagem cósmica com os olhos fechados. Framewerk - Robot Funk (Phuture Phunk Remix).
Dia 2. Os argentinos já sabiam e estavam comentando conosco de que no segundo dia ‘’ele iria atropelar’’, como se diz na gíria. Eu estava de peito aberto, me recuperei bem do sábado passeando por Puerto Madero, centro financeiro da cidade e suas as imponentes construções do século 19.
Hernán já inicia o set com mais ritmo, logo na primeira hora o público se conectou. O cenário se repetia, como se fossemos viver a mesma história, porém absorve-la de outro jeito. Não sei se por estar menos ansioso, desde o começo eu estava mais leve, senti isso das outras pessoas também. Hernán estava muito concentrado, poucas vezes desviava o olhar, era outro clima, menos luzes em cima do público, menos imagens no telão, a ideia era após o sunset, se criar uma atmosfera soturna.
As imagens em 3D de Sergio Lacroix também eram quase todas diferentes. Quando a escuridão tomou conta, Catta ativou o estilo que o consagrou por uma fase de sua carreira, época que era chamado de ‘’mestre das trevas’’, e claro, meu estilo favorito. Fazia alguns anos que eu não pegava um seu tão obscuro; foi para lavar a alma. 16 mil pessoas tomadas por esse clima, com o bpm um pouco mais alto, menos breaks longos e momentos de explosão coletiva por si só, sem precisar fazer força.
Os palhaços da Alegria Intensiva, ONG do qual HC é embaixador, que leva humor e boas energias as crianças em hospitais, passavam em frente ao palco distribuindo água e frutas de graça. É sabido que o público ali raramente deixa a pista, não querem perder o lugar e nenhum segundo do set.
Fiquei perto do palco e no meio do set um tom infernal toma conta, as telas já estavam apagadas a uns 20 minutos, de repente, chamas laranjas começam a tomar conta dos telões. Juro que senti o calor do fogo junto, como se fosse real. Foi uma sensação psicológica incrível, o cérebro não esperava aquilo e aceitou como se fosse verdade. Olhei ao redor e vi pessoas vidradas naquele telão de 30 metros de altura. Só tinha visto algo assim no show do Roger Waters. A imagem fala por si só.
Hernán manteve o ritmo forte, sem descanso, sem precisar por vocais ou variar o set para agradar mais pessoas. Ele só foi mixando e mixando, como se tivesse tocando para si mesmo. Porém, estávamos em Buenos Aires, se ele estava tocando para si mesmo, estava tocando para sua gente. Ali, ele e público se confundem, era sincronia pura.

Na última meia hora, ele baixa o ritmo para algo mais emocional, trazendo os vocais de ‘’Never Alone’’ (Baumel Remix) e do novo remix de Zac ‘’Now’’, se destacando nessa tentativa de relaxar a pista após horas de euforia. Era como se tivéssemos flutuando após ter descido ao mais profundo fosso sem luz. Todos precisavam sair de lá tranquilos e essa forma progressiva de baixar as linhas foi magistral.
Depois de aparecer sua forma em linhas cromáticas nos telões várias vezes durante a noite, no final do set, surgem dois canhões de luz atrás de Hernán apontados de baixo para cima em X, fazendo uma luz em suas costas, que para quem olhava de frente, parecia que era a mesma imagem do telão. Um detalhe incrível e genial, era como se música, as projeções nas telas, as luzes e o próprio Hernán tivessem se fundido em uma coisa só. Esse é aquele tipo de mensagem nas entrelinhas do tipo; ‘’ele se torna parte daquilo que exibe’’. Algo bem Pink Floydiano. Deem uma olhada na foto abaixo.

Ainda, para deixar os hermanos emocionados, ele solta ‘’En La Cuidada de la Furia’’ da lendária banda de rock Soda Stereo, a mais cultuada do país. O nome da faixa dizia tudo sobre a noite que se encerrou (para alguns) às 00h30.

Se tem algo que os argentinos sabem fazer, é valorizar seus ídolos, valorizar quem conseguiu ganhar o mundo e levar a sua bandeira para todos os lados. Os aplausos de agradecimento eram intensos e a sensação de ‘’isso poderia nunca acabar’’ saltou a mente.
Criar a sua própria festa, assumir todos os riscos depois de tudo que aconteceu na cidade, é algo realmente louvável. Hernán não poderia deixar sua cena cair, e além de puxa-la de novo para cima, elevou o padrão, trazendo a qualidade de produções nível Americano ou Europeu, e fazendo todo o entorno seguir o novo padrão estabelecido. Que assim seja, que os bons ares soprem de forma progressiva por muito tempo.
Tracks em destaque no set dia 2.
Budakid & Sterioa - Anesthesia (Ian O'Donovan Remix)
Baby Raver (Mike Griego Remix) · Rich Curtis
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